quarta-feira, 11 de maio de 2011

Lembranças

   Aqui, começaremos uma viagem, para bem longe, numa cidadezinha do interior paulista. Aperte o cinto, se segure, respire fundo e lá vamos nós.


   "Momentos terríveis aqueles — e esses, porque ainda não acabou — os quais vivemos.
    Vidas inteiras destruídas, sem mencionar todo um passado de vida e cultura. Estão sendo momentos difíceis para nossa cidade e, creio, que para algumas regiões vizinhas. Acho que 'trágico' é a palavra mais correta para denominar tudo isso. Queremos fingir que é tudo uma piada de mau gosto, mas não funciona bem assim, como queremos que fosse. Foi tão real e intenso que é impossível de ser esquecido ou deixado de lado. Foi tanta crueldade e dor que faz com que seja real. Minhas cicatrizes comprovam o que estou escrevendo agora, inclusive as cicatrizes dos meus amigos.
    Eu nunca vou esquecer aquelas semanas em que estive preso, nem a tortura psicológica e a dor física e espiritual que sentia, mais pelos meus amigos do que por mim… Mesmo que alguns deles tenham ido embora de nossas vidas, ainda estamos aqui, escondidos, e mais fortes do que éramos antes. Mas eu sei que tanto eles quanto eu estamos abalados por tudo, por nossas famílias, por nossos amigos e por todo o resto. Não há como não ficar! Eu mesmo me pego chorando de vez em quando.
    Às vezes, o medo e o sofrimento nos impulsiona a enfrentar o perigo mais extremo de uma situação, por mais difícil que seja e que pareça não haver outra saída, alimentando aquele restinho de coragem dentro de nós. Isso aconteceu muitas vezes; e sei que poderá acontecer novamente.
    [...]
    A morte dos pais do Max, o Senhor e a Sra. Guttenberg, mexeu com ele. Pelo menos é o que suspeitamos… De todos os nossos pais. Eles eram a família mais unida e amorosa que eu conheci, mas essa felicidade se rompeu drástica e abruptamente. Isso é culpa daquele insano e tirano chamado Oliveira. Se ele compreendesse que as pessoas são gente como ele, nunca que ele agiria assim. Não sei mais se sinto rancor ou pena dele. Ultimamente tenho desconhecido meus próprios sentimentos. [...]
    Fomos obrigados a nos esconder no meio do mato, numa parte da serra conhecida como Vale dos Coiotes por seus imensos campos floridos e alguns de pastagens, com colinas e montanhas íngremes. Viajamos muito até chegarmos numa antiga e pequena casa de roça. E é aqui que estamos vivendo, ou melhor, sobrevivendo como podemos. Chegamos exaustos e abatidos, procurando apenas um local para nos alojar e fugir do caos do centro urbano de Village, e então por aqui ficamos.
    [...]
    Apesar de ter se passado certo tempo desde nossa vinda até aqui, só agora tomei coragem para escrever o que sinto, penso e fiz junto com meus amigos — como destruir parte da nossa cidade, embora fosse necessário para conseguirmos escapar das armas mortais dos soldados que nos perseguiam incansavelmente. É um pouco confuso e difícil descrever tudo o que passamos nesses tempos [...]. Ninguém sabe que estou escrevendo nesta agenda velha. E nem quero que saibam, senão ficarão atrapalhando minha pouca e turbulenta linha de pensamento, que não anda muito ágil ultimamente. Prefiro assim. Algo reservado para mim, para me expor da forma como bem entender. Sei que não vão zombar de mim, mas é melhor manter sigilo. Pelo menos por enquanto. Aqui estarão — se eu conseguir — todos os meus segredos e sensações.
    [...]
    Estou na metade do meu turno da noite [...], daqui a algumas horas o Andrey vai entrar no meu lugar. Estou sentado no topo de uma colina de pastagem vizinha à casa e seguro uma lanterna na mão esquerda para poder escrever. Já estou me acostumando a duas coisas: à escuridão e ao peso da lanterna. Melhor eu não perder meu tempo com bobeiras e outras coisas que me distraem e ir direto ao que interessa. A história.

    Village sempre foi uma cidadezinha pacata do interior, nada de surpreendente acontecia por essas bandas. As fazendas predominavam na cidade, concentrando-se mais para o fundo da cidade [...].
    Na divisa com a cidade vizinha havia um ginásio de esportes magnífico, com espaço para atletas de natação, futebol e ginástica para as garotas. Há anos, quando era criança, fui me apresentar na competição de natação, com meus pais, Vivian e Afonso Bragança, na arquibancada torcendo por minha vitória. Foi uma extensa competição, suada e cansativa. Eu fiquei em segundo lugar no pódio e ganhei medalha e troféu, foi uma manhã maravilhosa.
    Eu estava sentado no banco traseiro da caminhonete [...]. Eles se viraram para mim quando eu os chamei, meu pai dirigindo e mamãe no carona, eu queria mostrar novamente a medalha em meu peito. Eles sorriram e voltaram a atenção para frente. Algo escuro e desgovernado em alta velocidade veio em nossa direção. Só vi um enorme vulto antes de a escuridão me tomar, cobrindo o carro. Senti um impacto violento no corpo, uma dor aguda e densa penetrou em meu ser como espada, sentindo meu universo girar várias vezes, batidas fortes na cabeça até que tudo parou e não senti mais nada. Nem dor, nem choques violentos e nem meu próprio corpo. Parecia que eu deixara de existir.
    [...]
    Acordei com dor no rosto e nos braços, num quarto claro e todo aparelhado. [...]. Uma dor na minha cabeça latejava demais e num instante seguinte, flashes apareciam na minha mente, como visões. Eu lembrava.
    Olhei a minha volta. Tubos muito finos perfuravam a minha pele. Arranquei-os com força bruta e incontrolável, sem me importar com a dor ao retirá-los. Queria meus pais comigo, eu precisava deles, precisava que me dissessem que nada do que lembrei era real, que fora um sonho ruim. Levantei da cama rapidamente, correndo em direção à porta, com uma roupa azulada quase transparente e bem leve.
    — Mãe! Pai! Cadê vocês?! — Irrompi o silêncio com meus gritos desesperados. — Mãe, por favor! Onde vocês estão?! — Continuei chamando-os aos berros. Meus olhos lacrimejavam, a ardência queimava-os.
    [...]."

3 comentários:

  1. Ficou curioso(a) pra saber oq acontece com o personagem Victor? Continue lendo os próximos posts e/ou comente que responderei.

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  2. Neste primeiro capítulo, usei como referência ao Vale dos Coiotes, nossa Serra da Mantiqueira e o bairro Pilões. Lá, há uma casa que já passei um final de semana e foi a minha inspiração para esse começo de série. Devem estar se perguntando "Por que o personagem tem o mesmo nome que você?". Os personagens principais (Fernanda, Victor, Max, Andrey, Daniella e Bruna) são pessoas que conheci ou mesmo os meus amigos, além do que, Me autocoloquei como personagem, para passar um sentimentalismo a vocês, leitores. Os meus pais no livro, não são baseados nos meus da realidade. Já a história toda, me inspirei nos meus amigos, na minha escola e numa série de livros que li ultimamente.

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  3. Neste primeiro capítulo, vou narrando a história num lugar deserto, que descrevo como Vale dos Coiotes; na realidade, é uma alusão ao bairro Pilões na Serra da Mantiqueira daqui de Guará.
    Para deixar claro, muita gente do meu livro foi inspirada em pessoas reais e algumas dessas pessoas têm seus nomes semelhantes aqui, como por exemplo: Max, Andrey e Fernanda.

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